De Coimbra, Portugal, reflexões sobre os jovens e o suicídio
Sintomas e tratamentos

De Coimbra, Portugal, reflexões sobre os jovens e o suicídio



Suicídio Juvenil
Falar desta “solução permanente para problemas temporários”ainda é tabu. O suicídio entre os jovens afecta quem não vislumbra alternativa para lidar com problemas emocionais, com o insucesso escolar e com as dificuldades económicas. O fenómeno é complexo e implica um trabalho conjunto de prevenção, envolvendo a escola, a comunidade, serviços de saúde e de apoio social.
“Cheguei a pôr várias vezes a hipótese do suicídio”. A expressão é partilhada por jovens que debatem o “suicídio sem dor”, num fórum na Internet. Pelos comentários, percebe-se que são cada vez mais os jovens que já estiveram de alguma maneira ligados a um dos mais sérios problemas de saúde pública: o suicídio.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define suicídio como um “acto deliberado, iniciado e levado a cabo por um indivíduo com pleno conhecimento ou expectativa de um resultado final”. Carlos Braz Saraiva, psiquiatra responsável pela Consulta de Prevenção de Suicídio nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), estabelece as diferenças entre suicídio e para-suicídio: “O para-suicídio está mais ligado à sobrevivência, pois a pessoa em princípio não quer morrer” enquanto “um suicídio só é suicídio se ocorrer morte”.
O, também, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) esclarece que “uma coisa é a ideação de morte onde pode haver, inclusive, uma questão filosófica ou de inquietação própria da juventude sobre o que é viver e o que é morrer, e outra coisa é a ideação suicida onde existe um plano de auto-aniquilação”. Daniel Sampaio, médico e coordenador do Núcleo de Estudos do Suicídio (NES), refere no seu livro Tudo o que temos cá dentro, que “o suicídio é uma estratégia, às vezes uma táctica de sobrevivência quando o gesto falha, tudo se modifica em redor após a tentativa” e de acordo com o especialista está “Maria”, nome fictício, que aos 17 anos tentou suicidar-se. Hoje, passados dois anos, está “a recuperar amigos que se afastaram porque ficaram em choque”.
Ajuda ao alcance de todos
Em Coimbra, não há dados estatísticos que permitam quantificar as tentativas de suicídios entre os jovens que estudam no Ensino Superior, embora sejam conhecidos diversos casos entre a comunidade universitária, diz Braz Saraiva. Para ajudar os estudantes que se encontram em situações de perturbação emocional e comportamental foram criados, há dez anos, o Gabinete de Aconselhamento Psicopedagógico dos Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra (GAP-SASUC) e o Gabinete de Psicologia dos Serviços de Acção Social do Instituto Politécnico de Coimbra (GP-SASIPC). Para além dos alunos, auxiliam também docentes e funcionários das respectivas instituições. A média de idades entre os dois gabinetes difere. No Gabinete de Aconselhamento Psicopedagógico dos SASUC a faixa etária situa-se nos 24 anos, já no Gabinete de Psicologia dos SASIPC são maioritariamente estudantes de 22 anos que recorrem aos serviços.
Quanto à afluência aos serviços do GP-SASIPC a psicóloga responsável pelo gabinete, Helena Moura, refere que “a lista de espera está sempre a aumentar”. Já a psicóloga do GAP-SASUC, Ana Carvalhal de Melo, revela que o gabinete tem “um número de consultas elevado, chegando quase às mil consultas por ano”. As duas médicas estão de acordo quanto à necessidade de acompanhar os estudantes desde o seu ingresso no Ensino Superior. “Muitos alunos sofrem com o processo de transição da escola secundária para o ensino superior, mas é curioso porque os alunos do primeiro ano não nos procuram, são mais alunos do segundo e do terceiro ano”, afirma Ana Carvalhal de Melo. Helena Moura acrescenta: “Infelizmente há situações que só apanhamos no segundo ano e que se tivéssemos apanhado logo no primeiro ano não teriam sido tão graves”.
Ao depararem-se com casos mais problemáticos, os dois gabinetes de psicologia das instituições de Ensino Superior de Coimbra, encaminham os jovens para os Serviços de Psiquiatria dos HUC, que dispõe de uma Consulta de Prevenção do Suicídio (CPS), que não tem lista de espera e que visa prioritariamente observar jovens que cometeram tentativas de suicídio e que foram observados primeiramente na urgência. Segundo Braz Saraiva quem frequenta mais a CPS são as pessoas entre os 15 e os 24 anos. A maior parte dos casos de tentativas de suicídio que dá entrada nas urgências dos HUC deve-se a cortes e à ingestão de medicamentos ou tóxicos.
Tanto nos gabinetes de psicologia da Universidade de Coimbra (UC), como do Instituto Politécnico de Coimbra (IPC) e na Consulta de Prevenção de Suicídio do Serviço de Psiquiatria dos HUC, são maioritariamente raparigas que pedem ajuda. Embora a psicóloga do GP-SASIPC mencione que “surgem cada vez mais rapazes”. De acordo está a Linha SOS-Estudante que recebe mais chamadas de pessoas do sexo masculino.
“A Linha SOS-Estudante foi criada em 1997 com o objectivo de combater algumas falhas que um dos estudantes de Coimbra notou”, conta a vice-presidente da linha, Ana Margarida Teixeira. É uma linha telefónica de apoio emocional e prevenção ao suicídio, sendo ao mesmo tempo uma Secção Cultural da Associação Académica de Coimbra (AAC). Este projecto é actualmente constituído por 22 estudantes voluntários que receberam formação “tendo em conta algumas temáticas principais nomeadamente a prevenção do suicídio e outros temas mais recorrentes como a solidão e a sexualidade” como explica a vice-presidente da linha.
O reduzido horário de funcionamento, das 20h às 01h, deve-se, principalmente, ao insuficiente número de voluntários. A SOS-Estudante recebe em média três a cinco telefonemas por dia de Portugal Continental e Ilhas. “Um pouco contra os nossos objectivos iniciais, actualmente, a faixa etária que liga é dos 40 anos para cima”, afirma Ana Margarida Teixeira. Também contrariando os objectivos primários deste projecto, a maioria das chamadas rondam os temas da solidão e da sexualidade. A vice-presidente da linha afirma que a SOS-Estudante “tem pouquíssimas chamadas de suicídio e a nível de estatística em apenas um por cento das chamadas são identificados alguns factores de risco e outras coisas que levem a pensar numa ideação suicida”.
Exceptuando o Instituto Superior de Educação de Coimbra (ISEC) que às quintas-feiras recebe a psicóloga responsável pelo GP-SASIPC, a Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC) é a única instituição do ensino superior da cidade que possui um espaço nas suas instalações para consultas de psicologia e que tem sempre uma psicóloga disponível para apoiar os seus estudantes. A responsável pelo serviço, Catarina Neves, revela que não existem muitos estudantes em risco de suicídio na escola e que “o facto do gabinete não estar num local muito movimentado ajuda a que os alunos venham conversar sobre os mais diversos temas principalmente entre os meses de Fevereiro e Julho”.
Problemas emocionais e escolares
As causas mais apontadas pelos jovens que recorrerem aos serviços de psico-terapia são, essencialmente, os problemas afectivos e escolares. Ana Carvalhal de Melo refere que os motivos que levam os estudantes a entrar em situações de risco são “problemas de ordem emocional (rupturas afectivas/depressão), insucesso escolar e suas consequências (a nível da auto-estima), problemas de autonomia e problemas económicos”.
O Gabinete de Psicologia dos SASIPC acompanha, actualmente “talvez uns três estudantes em risco de suicídio, embora com graus e riscos diferentes”. O Gabinete de Aconselhamento Psicopedagógico dos SASUC, segundo Ana Carvalhal de Melo, não tem estudantes em risco declarado de suicídio já que, nesses casos, “os jovens são encaminhados imediatamente ou para as urgências ou para a Consulta de Prevenção de Suicídio dos HUC”. “Aquilo que pode acontecer é algumas das pessoas que estão a ser seguidas em situação de crise tentarem o suicídio”, refere.
Quanto às épocas em que recebem mais pedidos de ajuda os dados divergem. “Apesar de haver algumas oscilações em determinados meses do ano não é estatisticamente significativo”, afirma Carlos Braz Saraiva. Helena Moura refere que “na altura da Queima das Fitas há sempre um ou outro caso mediático” e Ana Carvalhal Melo garante que “existem épocas do ano em que a procura é maior e situa-se à volta de Fevereiro, Março e também em Maio, Junho e Julho”.
Os estudantes suicidas “são normalmente pessoas impulsivas, com uma pobre auto-estima, que não conseguem visualizar ou pensar em alternativas para resolver os seus problemas e portanto o suicídio aparece como solução”, segundo a psicóloga do Gabinete de Aconselhamento Psicopedagógico dos SASUC. Esta técnica acrescenta ainda que “existem sempre factores de personalidade que estão por trás destas situações catastróficas”. “Maria”, explica que quando tentou pôr fim à vida, penso que “era uma opção que à partida ia resolver os meus problemas e me ajudava a parar de pensar em tudo”. Braz Saraiva adianta no seu mais recente livro Estudos sobre o para-suicído que o perfil é o de “uma jovem estudante, classe baixa ou média-baixa, problemas afectivos ou escolares, com mau relacionamento familiar, [...] história familiar de doenças psiquiátricas”. São também, em grande parte, estudantes deslocados que recorrem aos gabinetes de psicologia da UC e do IPC.
Estar alerta
Em 1999, Daniel Sampaio alertava na revista "Adolescentes" para a eventualidade do bem-estar de um jovem poder “esconder um grande sofrimento interior, que só uma relação de maior proximidade poderá detectar”. “Acima de tudo estar atento”, é assim que a vice-presidente da Linha SOS-Estudante define o que deve uma pessoa fazer quando repara que um amigo está a pensar em suicídio. Helena Moura realça a importância das amizades e adianta que “devemos recorrer aos amigos e aos familiares e se mesmo assim virmos que não conseguimos ultrapassar os problemas, devemos pedir ajuda a técnicos”. Já Ana Carvalhal de Melo aconselha a que se converse com o potencial suicida e a “nunca tratar o suicídio como tabu”. “Foram os meus amigos que me estenderam a mão e me arrancaram da angústia em que estava”, conta a estudante “Maria”. O responsável pela CPS dos HUC sintetiza: “No fundo, há duas regras básicas que são: criar proximidade e encontrar alternativas”.
No entanto, é importante realçar que os jovens têm mais à vontade para falar sobre os seus problemas com os psicólogos e/ou psiquiatras, que são pessoas que não conhecem do que com amigos, familiares ou namorados/as. A psicóloga do Gabinete de Aconselhamento Psicopedagógico dos SASUC realça a visão imparcial do psico-terapeuta e explica da seguinte maneira esta tendência: “Quando alguém recorre a um psiquiatra ou psicólogo é porque procura alguém que tem bases teóricas e conhecimentos que permitam compreender essa pessoa e que está disponível para ouvir sem fazer juízos de valor nem julgamentos.”
O Núcleo de Estudos do Suicídio (NES) defende que a eficácia dos serviços de apoio depende da facilidade de acesso, proximidade, disponibilidade, divulgação e difusão para as comunidades a que se destinam. A consciência das limitações por parte dos gabinetes de apoio e a sua articulação com serviços de saúde especializados também contribuem para uma maior eficácia na prevenção do suicídio.
Prevenir é essencial
Para um psico-terapeuta, perder um paciente devido a um suicídio é “a maior angústia”, como explica Ana Carvalhal de Melo: “Alguém que trabalhe nesta área tem que se arriscar a que isso aconteça”, mas “é sempre uma ferida que fica. Cura-se mas a marca está lá”. Carlos Braz Saraiva conta que se sente “desconfortável” e que se interroga: “Será que fiz tudo o que deveria ter feito?”.
Porém o psiquiatra, comparando o nosso país com outros países do Mundo, revela que “em Portugal o suicídio do adolescente ou do jovem não é um problema tão dramático como noutros países, como por exemplo em Inglaterra” e adianta que existe sim o problema do suicídio dos idosos, mencionando que “em 2002, pela primeira vez, suicidaram-se 60 adolescentes em Portugal. Mas suicidaram-se por exemplo mais de 500 ou 600 idosos. Portanto, dez vezes mais”.
A prevenção do suicídio é bastante importante e programas de prevenção que trabalhem várias dimensões como a assertividade, a autonomia e a confiança, vão fazer com que os jovens se tornem mais capacitados para lidarem com as várias situações e problemas que vão encontrar nos seus quotidianos. Braz Saraiva refere que o suicídio abrange “fenómenos que são complexos e multi-determinados: “Muitas vezes, aquilo que se verifica é que estes jovens, à semelhança da sociedade actual, lidam muito mal com três factores: o tempo, o poder e os afectos em geral”. Para o professor da FMUC, os jovens actualmente não estão “programados para perceber que há cinzentos entre o preto e o branco”. Também Helena Moura realça que deve existir “prevenção em todos os níveis” enumerados por Braz Saraiva, no seu livro Estudos sobre o para-suicídio: comunidade, saúde, escola e política social.
A psicóloga do GP-SASIPC defende o desenvolvimento de projectos nas residências e entre alunos: “Ainda há muito a fazer e nem é preciso dinheiro, é preciso é tempo e vontade”. Ana Carvalhal de Melo realça a importância do programa de apoio “pares por pares”. Este é um programa relativamente inovador que já foi experimentado noutros países e que para a psicóloga “faz muito sentido pois são alunos que recebem formação básica, que têm um acompanhamento especial por parte do Gabinete e que apoiam e orientam em particular outros colegas”. A psico-terapeuta do GAP-SASUC alerta para a necessidade de existirem programas de prevenção a nível do ensino superior e defende que para prevenir o suicídio deve-se “procurar fomentar as relações inter-pessoais dos alunos, ajudando-os a serem mais auto-afirmativos, mais assertivos, a comunicar com os outros quando têm problemas e a conseguirem reclamar pelos seus direitos sem serem agressivos. Isto a nível pessoal pode ajudá-los a sentirem-se mais fortes, a conseguirem resolver os seus problemas com mais facilidade e portanto o suicídio nem lhes passa pela cabeça como solução”.
Como comenta um jovem no fórum onde se debate o “suicídio sem dor”: “Há sempre uma solução, há sempre algo de belo pelo qual vale a pena viver
Fonte: http://oaquieagora.blogspot.com/2009/07/suicidio-juvenil.html



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