Sintomas e tratamentos
Nuvem negra que não vai embora...
Por vezes a depressão não é apenas um episódio das nossas vidas para passar a ser a nossa vida. Todo o nosso quotidiano gira à volta dela, quer vivendo mergulhados nela, quer tentando evita-la. Ela passa a ser a nuvem negra que nos envolve ou que paira sobre nós a todo o instante e sentimo-nos incapazes de fugir porque ela nos persegue, pois nos pertence, é como um cão fiel que segue as pisadas do dono e mesmo que este o enxote volta a acompanha-lo na sua caminhada e aninha-se a seu lado na cama.
Ver o mundo através de uma densa nuvem cinzenta é perder a capacidade de ver a cores, é viver permanentemente na sombra. O Sol brilha algures lá no alto, ilumina tudo ao nosso redor, mas a nós não. E, habituados que estamos a viver na penumbra, se um raio de sol penetra na nossa nuvem, fere os nossos olhos, cega-nos de tal maneira que somos da mesma forma incapazes de ver as cores. Como dissipar então esta nuvem e deixar entrar o sol sem que os nossos olhos sejam afectados, de forma a conseguirmos ver o mundo da mesma forma que os outros o vêm? Ou seja, a cores?
A resposta a esta questão nada tem a ver com oftalmologia. O indivíduo dentro da nuvem sofre, vive mal, quase a chegar ao fim dos seus proprios limites. Mas de alguma forma aprendeu a criar mecanismos de sobrevivência. Dia após dia enfrenta guerras desmedidas com a própria vida, viver dói e é uma dor insuportável, respirar dói mas a biologia obriga à inalação de ar. A adaptação não foi fácil, levou meses, por vezes anos. Mas a maioria das pessoas que vive nestas condições está habituada a sofrer de muitas formas, provavelmente desde a infância. Nunca tiveram uma vida fácil. Sempre foram vítimas, nunca tiveram força psicológica suficiente para superar as enfermidades de que foram alvo. O único terreno que conhecem é o que pisam, o único ar que os seus pulmões respiraram é o que respiram. Por mais que lhes digam que o Paraíso é muito agradável, como podem acreditar? Alguns deles já experimentaram mil paraísos e voltaram à nuvem ao fim de tão pouco tempo, outros foram ao paraíso e não se adaptaram, enlouqueceram por lá. O paraíso para eles não passa de um conto de fadas que não deve passar disso mesmo. De um conto de fadas que se conta às crianças antes de adormecer.
"Eu quero tirar a Joana da nuvem e integra-la na vida normal. Quero que ela tenha um emprego normal, um namorado, um grupo de amigos, uma casa". Ouvi esta expressão de um psiquiatra uma vez. A Joana vivia em quartos alugados, não tinha mais que uma mala de roupa que não tinha qualquer prazer em renovar, vivia de biscates pois não conseguia manter um emprego por mais de um mês e não conseguia manter uma relação de amizade quanto mais um namorado. Parecia uma missão impossível. Este médico interveio com Joana da seguinte forma: procurou uma voluntária entre as suas ex-pacientes e encontrou uma (Simone) que se dispôs a oferecer a Joana a sua amizade. O facto de se tratar de uma pessoa extrovertida e com muitos amigos poderia auxiliar a jovem a encontrar um namorado e além do mais os conhecimentos que tinha a nível profissional poderiam possibilitar uma integração a esse nível. Com um aumento do montante do salário poderia depois encontrar um apartamento e deixar assim de viver em quartos alugados.
Este encontro entre as duas chegou a realizar-se, e Simone convidou Joana para ir a sua casa sempre que quisesse, apresentou-lhe os seus amigos e falou com um conhecido que lhe arranjou um estágio profissional. Porém, aquilo que parecia ser um dissipar da nuvem negra em que Joana estava imersa não deu qualquer resultado. O apoio de Simone foi excelente, mas cada passo no sentido da luz era para a outra tão difícil e tremido que a sociedade não estava preparada para tal. O patrão dispensou-a porque ela era insegura, os seus novos amigos nunca lhe telefonaram pois não foram cativados por alguém que, comentaram mais tarde, "não sabia sorrir" e um simpático e atraente rapaz que ficou cativado pela sua beleza, não conseguia ela ver nele nada de especial. Não importava que tudo mudasse ao redor de Joana, porque ela não conseguia sair de dentro da sua nuvem. Não sabia lidar com cores, nem sequer o nome delas. Há pois um longo processo de transformação/aprendizagem que tem que ocorrer ainda dentro da nuvem antes que a pessoa esteja apta a saltar cá para fora, caso contrário será fracasso atrás de fracasso e isso só contribui para que ela deseje voltar lá para dentro e não sair jamais. Se a pessoa sair sem estar preparada, cá fora não vai ter tolerância nem ajuda de ninguém. Dar os primeiros passos é tão difícil como pôr um bebé a caminhar lado a lado com uma multidão apressada. Ou é espezinhado ou fica para trás.
É por isso que quem está na nuvem permanece por vezes lá por muito tempo. A par disso, também conta um outro factor muito importante: o medo. Ter medo do desconhecido, medo da mudança. Por vezes temos medo de sentir novas emoções, mesmo que se trate das positivas. Somos cobardes demais para dar saltos no escuro, nem que sejam apenas saltos no ar. Isto acontece com todos nós, mas quando se vive em determinada situação por muito tempo, é mais difícil sair dela. Só o simples falto de pensar nisso gera ansiedade de tal forma intensa que para a apaziguar simplesmente eliminamos essa hipótese.
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