Não me abandone...
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Não me abandone...


Vamos para outro critério para Transtorno da Personalidade Borderline, segundo o DSM-IV (a "Bíblia dos Psiquiatras"): (1) esforços frenéticos para evitar um abandono real ou imaginado - Nota: Não incluir comportamento suicida ou automutilante, coberto no Critério 5.  Já falamos da (4) a impulsividade , (6) instabilidade afetiva  e (5) comportamento autodestrutivo. Estou seguindo a lista que os médicos usam, por isso tem o número antes, eu não segui a ordem. 



Era uma vez eu. Sim, eu. Só que esse eu não era definido, ele era vazio, incompleto, desesperado por atenção e cheio de dor. Tudo o que ele queria era ser amado e nunca, em hipótese alguma se sentir rejeitado ou, pior ainda, ser abandonado. Mas, esse não é um conto de fadas, é o mundo real, pessoas vem e vão, rejeitam, machucam, decepcionam, magoam, essa é a vida, assim as coisas são, só que esse eu não tinha defesas eficazes para lidar com isso e, numa tentativa patética de tentar evitar esse abandono ele fazia esforços sobre-humanos. Esse era o meu padrão. 

Quando eu conhecia uma pessoa e gostava de alguma coisa nela, o cérebro entrava em modo "idolatria", e eu descartava todos os defeitos da pessoa, além de querer ser igual a ela. Eu, literalmente, absorvia a personalidade dela. Não vou detalhar, porque isso não vem ao caso. Eu não queria perder a amizade daquela pessoa de jeito nenhum, então eu "grudava" nela, ela se tornava quase uma parte de mim, almas gêmeas, irmãs (com certeza você ia me ouvir dizer isso sobre ela "é como se fosse minha irmã"). Então, aquele vazio, parecia cheio, completo, a dor quase sumia, tudo girava em torno daquela pessoa. Está com medo? Eu imagino como a outra pessoa se sentia com o passar do tempo. Eu, hoje, penso que a pessoa ia se irritando e se assustando ao mesmo tempo, e querendo distância, mas também não queria desfazer a amizade, e era aí que eu entrava no modo "vou perder minha identidade". Aquela pessoa era perigosamente toda minha referência e estava me dando sinais de que não me queria mais por perto o tempo inteiro, e meu cérebro só sabe interpretar "tudo OU nada" então eu entrava numa corrida insana e patética para evitar um abandono que talvez nem ia acontecer - e que acabava (ou não) acontecendo.

Cartas imensas sobre o quanto eu amava a pessoa e o quanto eu sentia muito. Desculpas e mais desculpas pelo meu comportamento. Ligações diárias para me certificar se a pessoa estava com raiva de mim ("ei, você tá com raiva de mim?  Tem certeza?"). Presentes para demonstrar que eu me importava com ela. Cartões com mais declarações de desculpas. Abraços e demonstrações de afeto em público devido ao medo extremo de ser abandonada. E, por fim, já com o cérebro no modo "borderline 100%", que é quando eu achava que a pessoa não correspondeu a toda a expectativa que eu nem tenho ideia que coloquei sobre ela (devido ao meu cérebro ser muito exigente, devido a doença, uma coisa leva a outra, e isso é um saco!), eu reajo desastrosamente com ações do tipo "te odeio (porque agora só vejo seus defeitos), mas não me abandone, por favor! (isso vai passar daqui há alguns minutos e eu não vou lembrar)". E sempre há duas opções: a) a pessoa me vê como "louca" e continua sendo minha amiga ou b) a pessoa me vê como uma "louca" malvada e vira as costas. Quando acontece a opção b) e as minhas emoções retomam ao nível mínimo de normalidade, eu geralmente me isolo de todo mundo e fico sem amigos devido ao excesso de culpa e vergonha que caem sobre mim depois. Ou seja, todo o "esforço frenético para evitar o abandono" foi a toa, porque eu acabei sendo abandonada nesse caso.

Eu escrevi um caso drástico, claro, foi real, mas drástico, onde, no final, eu escolhi me isolar e acabar sem amigo nenhum, depois desse episódio eu comecei a querer descobrir o que havia de errado comigo e eis me aqui me tratando de transtorno de personalidade borderline. Agora eu consigo lidar melhor com esse fato. Queria deixar claro que não precisa haver um abandono real para a pessoa começar a agir assim, ela pode ter a sensação de abandono e isso é muito pessoal. Cada pessoa carrega uma história e um porquê de agir assim, não adianta querer saber porque todo mundo age assim, a resposta não é a mesma. Apesar de parecer um comportamento "bagunçado" e doloroso para o paciente e para quem convive com ele, tem solução. Existem profissionais dedicados, estudados e humanos por aí dispostos a nos ajudar, eu encontrei um, insista. Pode ser que seja o primeiro, provavelmente não vai ser. Eu não sei. Tente. Não desista de você mesmo. Tem solução, há saída, sim!




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