O porco espinho e o borderline
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O porco espinho e o borderline


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Você deve estar pensando: "Ok, o que um porco espinho e um borderline tem em comum? Será que ela enlouqueceu de vez?" Na verdade, não, eu não enlouqueci de vez, e sim, esse pequeno bichinho e uma pessoa com transtorno de personalidade borderline ou qualquer outro transtorno mental ou mesmo uma pessoa comum mas cheia defeitos tem muito, muito em comum. Meu psiquiatra me mostrou isso contando essa velha fábula:
 
"Durante a era glacial, muitos animais morriam por causa do frio. Os porcos-espinhos, percebendo a situação, resolveram se juntar em grupos,assim se agasalhavam e se protegiam mutuamente. Mas os espinhos de cada um feriam os companheiros mais próximos,justamente os que forneciam calor. E, por isso, tornaram a se afastar uns dos outros.
Voltaram a morrer congelados e precisaram fazer uma escolha: desapareceriam da face da Terra ou aceitavam os espinhos do semelhante.

Com sabedoria, decidiram voltar e ficar juntos. Aprenderam, assim, a conviver com as pequenas feridas que uma relação muito próxima podia causar, já que o mais importante era o calor do outro. E assim sobreviveram."
 
Esse texto vai ser um pouco longo. Vamos detalhar bem porque eu quero deixar claro meu ponto de vista. O isolamento (a era glacial) tende a ter um efeito poderoso sobre o ser humano (ou os porcos-espinhos). Uma pessoa com borderline sabe bem disso. Meu cérebro parecia programado para o isolamento devido ao condicionamento de anos e anos percebendo que sempre que eu entrava em qualquer relacionamento com pessoas eu saía machucada e machucava as pessoas, logo a única solução 'decente' era eu viver isolada e parar de incomodar os outros. Isso é um engano terrível e eu estou decidida a provar isso a mim mesma desde que comecei a terapia - e cá entre nós, estou tendo algum sucesso. 
 
O isolamento social, a solidão, faz com que toda nossa percepção sobre nós e sobre o outro seja completamente alterada, ou seja, há uma grande chance de que você não esteja funcionando direito nem mentalmente, nem fisicamente: 


Eu sempre percebi que quanto mais sentimental era meu relacionamento com uma pessoa, mais eu me machucava e também machucava a pessoa, por exemplo, em um relacionamento amoroso ou uma amizade onde eu considerava a pessoa como "irmã" (os espinhos). Tendo borderline isso fica bem evidente. Existe um livro chamado "I hate you, don't leave me", ou seja, "Eu te odeio, não me abandone" e essa é a contradição de ter borderline, quando você está em plena instabilidade, com os sentimentos a flor da pele e não é mais você, você odeia todo mundo, mas não quer que te abandonem, porque tem pavor de ficar sozinho. Na verdade, você não odeia ninguém, só não consegue se expressar, NAQUELE MOMENTO, depois, quando a nuvem chuvosa passa, você consegue saber o que está acontecendo, mas aí ninguém mais quer te ouvir, porque só consegue enxergar uma 'louca descontrolada'. Outra analogia para o espinho-borderline seria a queimadura de terceiro grau, termo usado pela Dra. Marsha Lineham, criadora da terapia comportamental dialética, que tem salvo muitos borderlines, inclusive eu, que diz que ter borderline é igual ter uma queimadura de terceiro grau mas no corpo inteiro, você até quer que as pessoas te abracem, mas quando elas fazem isso, dói demais e a única coisa que você consegue fazer é empurrá-las, e depois você chora de arrependimento porque não queria fazer isso, mas era sua única escolha porque a dor é maior do que você suporta. Veja que o espinho-borderline tem uma característica bem peculiar. 

Uma pessoa sem borderline também passa por isso, e você, que tem qualquer transtorno mental ou borderline, pode tirar a prova. Pergunte a um amigo, colega, um desconhecido na rua sobre o relacionamento amoroso presente ou passado dessa pessoa. Pergunte sobre alguma briga. Certamente você vai ouvir alguma reclamação. Não tem jeito, as pessoas brigam, porque elas são diferentes, elas têm defeitos. Você vai ouvir elas reclamando umas das outras e vai até se identificar com uma coisa ou outra. E isso é ótimo. A diferença aqui é que elas se adaptam mais fácil, mais rápido do que nós, que temos essa alteração no cérebro. Elas conseguem perceber que tem de escolher ou conviver com os defeitos do outro (os espinhos) em favor do relacionamento ou ficar sozinhos (o isolamento). A gente escolhe o quê? O isolamento! Porque parece a saída mais fácil, e É a saída mais fácil. Claro que é. Sem ninguém para magoar, nem ser magoado. Sem ninguém para dar satisfação, nem satisfazer. Mas também sem ninguém para acolher no calor. A gente morre de frio na era glacial, além de que é uma vida sem graça e sem cor, não aprendemos nada. Não é saída mais eficaz. O medo paralisa um bocado. Ter um transtorno mental é um sofrimento e tanto.

A moral da história acima é aprender a conviver com as diferenças e defeitos dos outros, pois o relacionamento é o mais importante, exceto nos casos que vá contra seus valores. Você vai saber quando. Não se preocupe. Nosso desafio está sempre em aprender a ver o lado bom das pessoas, claro, sempre tomando cuidado com os espinhos. 

Para quem tem borderline, eu posso dizer que é um pouco mais complicado, vivemos o paradoxo de não querer ficar sozinhos, mas ficando sozinhos. Nossos cérebros são carregados de emoções difíceis de prever e dosar, e sempre somos mal interpretados pelas outras pessoas, até mesmos por médicos que se dizem 'compreensivos e estudados'. Mas, assim como na fábula do porco-espinho, é possível aprender a escolher optar por ver o lado bom das pessoas, conviver em grupo e, principalmente aprender a conviver com as diferenças e defeitos das outras pessoas - sem instabilidade. Tudo começa quando você dá uma chance a si mesmo e deixa as pessoas 'encostarem' em você. Vai machucar e você vai machucá-las, mas esse é o preço. A maior dádiva do ser humano é a adaptação. Parece algo mágico, mas na verdade, é algo bem estruturado e racional, mas nada fácil.



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