Psicanálise do Cotidiano: As Duas Faces do Egoísmo
Sintomas e tratamentos

Psicanálise do Cotidiano: As Duas Faces do Egoísmo



por Dr. Carlos A.Vieira

O Homem nasce com uma natureza mais animal do que humana. Precisa sobreviver, pois vem a esse mundo numa condição precária, lábil e de uma dependência extrema.

Há que não sucumbir, não morrer, e por isso, tal como alguém se afogando, agarra-se desesperadamente à outra pessoa para que ela o salve. O médico que o recebe na sala de parto, o pediatra que libera seu aparelho respiratório e digestivo, a mãe que o acolhe e a enfermagem que cuida das primeiras providencias para viver. 

Instintivamente se joga no seio materno, agarra-o, introduz sua boca e às vezes é até agressivo nesse primeiro momento da alimentação. Sobreviver é o lema, pois nada interessa, tudo deve existir em seu benefício, a seu favor, para atender suas necessidades. Com isso quero dizer que, no principio o que importa é ele, o bebê, e não a outra pessoa, até porque ainda não tem noção do Outro. A mãe ou qualquer pessoa que tem a função materna são objetos da sua satisfação, provedores dos seus anseios, “empregados em dedicação exclusiva” para atenderem Sua Majestade, o bebê. 

O Egoísmo, ou seja, tudo para si, é fisiológico, natural, direito de sobrevivência. Aliás, egoísmo é uma palavra interpretada de modo pré-conceituoso, como algo indevido, pejorativo. O egoísmo infantil faz parte do desenvolvimento e crescimento psíquico, uma vez que o uso dos outros não tem finalidade de agredir, destruir, tripudiar e sim de cuidar das necessidades básicas de sobrevivência. Esse egoísmo, hoje, os psicanalistas o chamam de Egoísmo de Vida, Narcisismo de Vida, ou seja, um funcionamento mental para lidar e se defender da precariedade do ser humano. 

Repetindo: no início da vida a pessoa humana tem direito a usar e tirar proveito de tudo aquilo que minore, diminua sua angústia de existir e seu medo de morrer. Essa face do egoísmo é a primeira aprendizagem e exercício do que mais tarde fará parte de sua auto estima. Wilfred R. Bion, eminente psicanalista indiano, educado na Inglaterra, estudando o crescimento e o desenvolvimento psíquico, atentou para o fato de que a pessoa humana começa sua vida num estado de completo narcisismo ( egoísmo ) e vai gradativamente se transformando em social(ismo), para não confundir com socialismo. 

Do individual ao grupal. Isso significa que esse movimento de narcisismo-social(ismo) é uma dinâmica da vida humana. Complicado? Não, não tanto: às vezes temos a nossa privacidade e também a nossa vida grupal. Então caro leitor, o egoísmo de direito e o movimento de procurar os outros para ligações amorosas e de parcerias é um movimento sadio, civilizado e demonstrativo que sozinho e acompanhado são, juntos, o nosso destino salutar.

E a outra face do Egoísmo? Essa é a face maléfica, destrutiva, perversa, que pauta a vida explorando os semelhantes. Esse é o egoísmo que chamamos de morte ou mortífero, apontando para satisfazer as necessidade de gula, voracidade e inveja.Ter tudo, tudo em seu benefício, desprezando a outra pessoa, auferindo lucros e vantagens.


Acho que não escrevo um fato tão desconhecido em nosso tempo atual. É só ver um bom número de governantes, políticos, executivos, empresários, organizações mafiosas, grupos do tráfico e relações humanas pautadas no uso da outra pessoa para prazer e exploração material e física. Amorosidade, parceria, companheirismo, generosidade e respeito aos diretos sociais ( social-ismo) são questões menores e sem significado para a pessoa que “ só olha para seu umbigo”. 

Essa figura egocêntrica patológica, mortífera e destrutiva é um ser que é mais animal do que humano. Civilizar-se, civilidade parecem aspectos de humanidade que não o atinge. Vampiros, “dráculas”, personalidades sem ética e sem caráter sano, psicopatas, perversos, todos esses nomes compõem o indivíduo que não cresceu e nem desenvolveu seu narcisismo inicial, e sim o transformou em patológico. Ficou restrito a construir sua vida realizando desejos de poder autocrático, arrogante, autoritário e messiânico, ou seja, construindo um reinado de si mesmo, sem saber que “ o rei está nu “. 

No fundo é uma pessoa frágil, insegura, sem auto-estima, sem capacidade para amar, perseguida, desconfiada e até paranóide, pois no fundo intúi o mal que faz, o estrago que comete, só que não tem possibilidade de ter sentimento de culpa. Quando sente, se suicida ou comete homicídio como se os outros fossem culpados e não ele.

Bom, leitor amigo, é importante a gente diferenciar um aspecto natural do egoísmo, sinônimo de amor próprio e de auto estima. 

Outra coisa é o egoísmo individualista à serviço de benefício próprio, atitude tão comum nesse mundo pós-moderno.

Carlos A.Vieira, médico, psicanalista da Soc. de Psicanálise de Brasilia e membro da FEBRAPSI-IPA-London.



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