Desperto para um dia normal. O meu pulso está dentro dos limites que me são próprios. Nada de novo se avizinha. Apenas mais um dia de trabalho sentada à secretária, tentando descortinar em folhas de excel onde se encontra o erro que não se sabe se existe. É monótona a tarefa, é frio o ambiente. As salas individuais estão divididas ao longo de um enorme corredor que desemboca numa outra pouco utilizada, ao lado das casas de banho. A minha é a segunda. Todos são muito educados, todos nos cumprimentamos mutuamente e sempre que nos cruzamos sorrimos. Mas eu não pertenço ali. Apesar das aparências, não deixa de ser uma empresa onde cada um pensa apenas em si, onde cada um tenta fazer o seu trabalho o melhor possível e nem lhe passa pela cabeça perder tempo a ajudar o próximo.
A minha respiração começa a ser demasiado curta e torácica, a tensão acumula-se na nuca, atrás das orelhas e vai-se apoderando de todo o corpo. Mantenho-me quieta, tentando trabalhar. Mas o sono toma conta de mim. Deixo de ver o ecran e depois perco o raciocínio. Adormeço por meio segundo, tempo suficiente para a minha mente ir para outras paragens. Quando regressa, tem que se esforçar por encontrar o raciocínio anterior, para tentar concluir a pesquisa do erro. Mas mal o faz, volto a adormecer. Deixo de estar ali, por meio segundo, depois volto. Mantenho a cabeça erguida, apenas meus olhos denunciam o que está a acontecer: estão parados e baços, não reagem a estímulos. Pestanejo numa tentativa de recuperar a consciência. Mas de cada vez que isto acontece, mais me afasto da minha performance. A produtividade baixa, aumenta a sensação de mal estar. Os meus músculos parecem embebidos de electricidade. Querem movimentar-se, seja de que forma for. Relaxar é palavra que não conhecem. Faço força nas pernas e nos braços, espreguiço-me, bocejo, mas nada é suficiente. Todo o meu corpo, desde a planta dos pés até ao cimo da cabeça sofre do mesmo problema. Mesmo quieta, noto que os meus olhos estão esbugalhados. Os olhos também têm músculos, até esses se querem esticar. Não consigo ter paz.
Chego a casa e tento jantar. Demoro uma eternidade para o preparar. Não consigo raciocinar, a minha cabeça parece inchada, tenho um som estranho a ecoar nela, como se tivesse estado todo o dia exposta a um ruído intenso. Mas o único ruído que ouvi foi o silêncio. Tomo medicamentos, os que me apetecer no momento, pois a minha psiquiatra, como não entende, diz que só consegue ir lá por tentativas. Tentativas, experiências, também eu faço, e não tenho que pagar consultas e ouvir a frustrante e estúpida frase "O que é que quer que eu lhe faça?". Mas os medicamentos não ajudam. 9 mg de bromazepam deixam-me tão desperta como se bebesse um copo de água. Entretanto os meus músculos continuam na mesma, numa contínua excitação ultrapassa a da mente, que parece amorfa, e não me deixam dormir. Passo a noite num estado entre o sono e a vigília, algo que não é nada reparador para enfrentar o dia seguinte.
O sono diurno não é sono normal, é originado pela tensão. A psiquiatra não entende como tal é possível e propõe-me estimulantes. "Beba café!", diz ela. Café já eu bebo, se calhar mais do que devia. A ideia dela não é inédita, eu própria fiz a experiência. Não resultou. "Então dou-lhe calmantes, mas bromazepam 6 nunca, é muito elevado. Que tal alprazolan 0,25?". Esta tipa ou é surda ou parva. Será que não consegue perceber que se 9 mg de bromazepam não me fazem efeito, 0,25 de alprazolam seria placebo? Bom, decididamente tenho que fazer eu as minhas próprias experiências. Não sei mais o quê, estou a atingir os limites da minha paciência.
Bom, por agora vou tentar jantar. Que existe mais para eu tentar? Se alguém tiver alguma ideia, por favor diga, pois eu só sei que tenho que tenho que ficar bem.
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