O fim triste de uma história real
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O fim triste de uma história real






Eu chorei quando recebi a notícia da morte do meu pai. As pessoas acharam estranho, afinal ele nunca foi presente, nunca me deu nada, e sempre fugiu de tudo e de todos, vivendo uma vida egoísta até consigo mesmo. Mas eu chorei tanto que quase desmaiei. Ninguém entendeu. Eu olhava para as pessoas e imaginava um balão de julgamento na cabeça de cada uma. O que elas pensavam sobre mim? Que eu estava exagerando? Querendo chamar atenção? Ou que realmente eu sentia a perda de uma pessoa? Mas porque se ele nunca passou de apenas um nome no meu RG?

Essa história toda de "pai é aquele que cria" é bem trágica para mim (e muitas pessoas por aí). Eu não tive uma figura paterna presente em nenhum momento da minha vida. O máximo que chegou perto disso foi o meu tio. Mas, de alguma forma, eu sempre procurei preencher esse buraco que ficou na minha história. Quando eu era criança, me enganaram com uma historinha muito mal contada de um cara que diziam que era meu pai... um dia esse mesmo cara (o qual eu tinha extrema dificuldade de reconhecer como pai, apesar de chamá-lo de pai) destruiu toda a conexão/confiança que havia entre nós. Eu sofri um rasgo dentro da minha "alma", como se alguém tivesse me partido em duas naquele exato momento, e, depois daquilo, eu nunca mais fui a mesma. Quem era o meu pai? Quem era aquele cara que estava no meu RG? Porque ele sumiu? Perguntas que pulavam na minha mente, mas eu não ousava perguntar, parecia um segredo mortífero, algo que jamais deveria sair do armário. Mas o Universo tem suas voltas, e o segredo veio até mim... meu pai, em carne e osso, me procurou... e depois sumiu... mas eu o vi. Ele era real. O cara do RG era real. Ele realmente existia. E era meu pai. O pai que me abandonou, que nunca me procurou e que havia causado todo meu sofrimento psíquico e moral, afinal, achava eu, ele poderia ter evitado toda a tragédia que eu havia vivido até ali. Instalou-se o ódio. Profundo ódio e desprezo. Eu comecei a odiar meu sobrenome. Aquele homem me condenou a sofrer de um transtorno mental desconhecido e do qual eu não conseguia nenhuma ajuda. Ele só podia ser um monstro.  

Bem...o Universo continuou dando suas voltas. O tempo passou. E eu mudei. Mudo muito, a todo instante. Meu "eu" de agora, é bem diferente do meu "eu" daqui a cinco minutos. E lá estava eu num hospital visitando meu pai que achava que ia morrer. Eu não sei porque eu fui. Eu sentia que devia. Eu queria ir. Uma força de raiva me dizia que eu devia jogar na cara dele todos os anos de sofrimento e ausência que ele me fez passar. Mas eu não consegui. Eu disse poucas coisas. Ele não morreu. E sumiu... Outra vez... Foram anos que eu passei moldando meus sentimentos. Variando entre raiva, rancor, ressentimento, ódio, alegria, amor, desespero, medo, preocupação. Ora eu queria saber como ele estava, onde estava, ora eu queria que ele estivesse morto. Eu me sentia um vulcão. Até que nesse final de semana a notícia que ele estava morto chegou. E eu chorei. Chorei muito. Porque doeu. Doeu muito. E ainda dói. Porque dói? Porque era difícil não saber onde ele estava e ficar imaginando a possibilidade de um dia desses a ficha dele cair e ele vir correndo atrás de mim recuperar o tempo perdido. Agora eu sei onde ele está, morto e enterrado. Sem possibilidade de volta, de conversa, de mentiras, de promessas. Fim. E isso é muito triste. Porque eu vejo a realidade como uma dança. A dança com a vida, e de vez em quando com a morte. Ele não apenas dançou, como flertou o tempo todo com a morte. Ele não fez esforço nenhum para correr pro abraço da vida. Ele simplesmente se deixou levar. Fácil. Assim como ele fugiu de tudo a vida toda. 48 anos fugindo. 

Eu achava que não poderia sentir raiva de uma pessoa que morreu (ainda mais meu pai), mas eu posso. E eu sinto. Sinto raiva, tristeza, e isso não me impede de também sentir compaixão. Ele não foi o pai que me criou, mas a falta dele me causava um vazio tão grande que eu busca incessantemente que qualquer pessoa preenchesse esse buraco (sem sucesso), quando eu finalmente vi ele ser enterrado, algo em mim também morreu: o buraco correspondente a falta de um pai. Eu SEI onde ele está agora, e, literalmente, eu posso parar de procurar. Não tem mais o que procurar. O mais dolorido dessa história é que nós dois não pudermos ter história nenhuma. Não houve chance. Nem haverá. Agora, nessa parte, nós dois poderemos descansar em paz. 




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